Vamos dar vivas a eles!
Eu nasci no engenho Estiva da Usina União e Indústria no município de Amaraji. Toda minha relação de infância se deu com os filhos de cortadores de cana, de cambiteiros – trabalhadores que “cambitavam” cana nos lombos dos burros, dos lugares inacessíveis para os caminhões, que hoje não existe mais esse transporte e de outros trabalhadores como os carreiros, ticuqueiros( quem limpa a cana), dentre outros.
Cada engenho funcionava como um pequeno povoado, tinha a casa grande e o barracão, a casa de farinha, os arruados, alguns poucos sítios isolados. A hierarquia era constituída pelo administrador e o barraqueiro no topo, os cabos de turma, o professor, alguns trabalhadores que não eram do eito constituíam a faixa intermediária e tinha a turma de baixo, do sim sinhô e iô sim, onde estavam os contadores de cana que pegavam no pesado.
Vivi com esse povo paupérrimo, sem sonhos, de idealizações amadoras, a maioria era analfabeta, os seus filhos tampouco tinham algum horizonte de vida que não fosse além da continuação dos desígnios de seus pais.
Meu pai era um “curumba”, termo que designava os sertanejos que migravam para a Zona da Mata de Pernambuco, fugindo da seca perene. Neste trajeto que relembram romarias em busca da vida melhor não era fácil, chegavam aos seus destinos exaustos, o deslocamento era feito a pé. Meu pai foi contador de cana da usina de onde nasci, contrariando as probabilidades, anos depois fui Agrônomo desta mesma usina.
Pois bem, nos estados de Pernambuco, Alagoas, Bahia, depois São Paulo e Rio a cultura da cana-de-açúcar remete aos tempos coloniais, quando os engenhos eram os grandes geradores de riqueza ao custo de milhares de homens escravizados. Depois dos engenhos vieram as usinas e muitas delas perpetuaram sistemas de trabalho análogos à escravidão, de tal maneira que a dignidade dos cortadores de cana só foi alcançada em parte com muita luta.
O Brasil ainda é o principal produtor e exportador de cana do mundo, tendo como seus principais derivados o açúcar, etanol e destilados. Para se ter uma ideia da pujança desse setor, o país tem mais de 100 usinas e destilarias, que empregam em média 1,5 milhão de trabalhadores. Somos responsáveis por 45% da produção mundial de etanol. Considerada a média dos últimos anos, são mais de 30 milhões de toneladas de sacarose e 27,5 bilhões de litros de álcool etílico produzidos anualmente, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Nada disso seria possível sem o trabalho secular dos cortadores de cana, que ao longo do tempo dedicaram gerações a essa atividade que proporcionou tanta riqueza e ao mesmo tempo acúmulo de poder nas mãos de poucos latifundiários. Na outra ponta, muitos cortadores de cana praticamente trabalham para sobreviver. Essa relação precisa mudar.
Fica aqui a nossa justa homenagem aos cortadores de cana. Que o doce da cana não seja o talho da vida e que esses profissionais possam alcançar a dignidade que merecem!
Josias Gomes – Deputado Federal do PT/Bahia licenciado e atualmente titular da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR).
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