Lembranças da Escola de Agronomia do Nordeste, situada na cidade de Areia – brejo paraibano!
“No Meu Cariri
Pode se ver de perto
Quanta boniteza
Pois a natureza
é um paraíso aberto”
Estudei na Paraíba entre os anos de 1977 a 1980, na Escola de Agronomia do Nordeste, campus de Ciências Agrárias da UFPB, situado na cidade de Areia no brejo paraibano, região onde se fabrica as melhores cachaças do estado. A escola, fundada no início dos anos 1940, foi a segunda do Nordeste e segundo as más línguas, José Américo de Almeida, então ministro de Getúlio Vargas, teria escolhido Areia para poder casar as mulheres da cidade.
Areia é uma cidade encantadora, muito fria no inverno e bastante aconchegante o ano inteiro. Mas padecia de um grande problema na época, situada num alto com Alagoa Grande no pé da serra, era a cidade da última parada do meio de transporte da popular da época, o trem. Com uma subida bastante sinuosa estava criado o problema para quem teria que subir pra Areia, e isso dificultava sobremaneira o casamento das mulheres da cidade, a solução encontrada pelo ministro foi levar a escola de Agronomia pra lá e com isso possibilitar mais opções de casamento. (Brincadeira estudantil).
O final da década de 1970 foi de tempos turbulentos, auge dos tempos de chumbo. O movimento estudantil estava em processo de reorganização. Realizou o III ENE – Encontro Nacional dos Estudantes em Belo Horizonte no ano de 1977. O momento era de retomada das lutas contra e pelo fim da ditadura militar e o ME precisava de uma pauta nacional que unificasse as ações do movimento estudantil, na ordem do dia estava a reconstrução da UNE, fato que veio a acontecer dois anos depois em Salvador, eu estava lá como um dos delegados da Paraíba naquele histórico congresso.
Em 1978, a Escola de Agronomia do Nordeste revolucionou a política paraibana ao deflagrar a primeira greve no estado depois do golpe militar de 1964, foi ousadia e tanto, colocamos o tema da luta contra a ditadura na pauta política do estado e conseguimos despertar o sentimento de revolta nos estudantes da Universidade Federal da Paraíba. Pronto, estava sendo destampada a panela de pressão contra o regime autoritário.
Conheci muita gente boa nestes anos de luta. Tinha a turma da escola, colegas talentosos, inteligentes, muitos se destacaram em diversas áreas das ciências agrárias, outros encontraram na política partidária o caminho de suas atuações futuras, como foi o meu caso.
Foi do convívio no meio estudantil que pude conhecer bem o povo e a riqueza cultural do estado paraibano, como também através do contato com artistas, lideranças sindicais, líderes religiosos a exemplo de Dom José Maria Pires – que foi a Areia se solidarizar com um grupo de famílias que estavam sendo expulsas de uma área da escola, por serem posseiros, assim que se chamava na época os sem terras, e conseguimos resolver o problema.
A Paraíba é um estado peculiar, seu território está situado quase todo na região semiárida, por esta razão tem sofrido muito mais com as frequentes estiagens. O Cariri que o diga, no entanto, as adversidades climáticas que já fazem parte da cultura local e nunca foram capazes de tirar do seu povo a alegria de viver. Este povo valente luta diariamente pela sobrevivência, sem nunca perder a ternura, jamais!
Pois foi justamente deste povo encantador e solidário que recebi uma pérola, na forma de uma mensagem transmitida no final de programa radiofônico da Rádio Cidade de Sumé, cidade que fica no Cariri paraibano, e quem nos traz a mensagem é Jacqueline Oliveira, radialista há 22 anos, com sua voz suave e bem coloquial, transmite a paz e amor numa sociedade que vem perdendo cada vez mais estes valores.
O Cariri paraibano mantém suas tradições, os costumes, sua peculiar culinária, o clima seco e a aridez forma um todo bem harmônico. De lá são dois grandes expoentes da cultura brasileira, o forrozeiro Flávio José, da cidade de Monteiro, e o escritor Ariano Suassuna, de Taperoá. O meu professor de Cálculo I também é de lá, Chico Cabaceiras, o homem era um terror, eu tive dificuldade em passar nesta disciplina. Resolvi o problema em um curso de verão.
Cabaceiras é a Roliúde Nordestina, com suas lindas paisagens, o casario bem conservado do século XVIII, além do mais é a terra de um povo alegre e solidário. Tanta riqueza sociocultural reunida fez de Cabaceiras um importante polo cinematográfico. O Alto da Compadecida foi gravado lá.
Mas o destaque hoje vai pra ela, Jaqueline, a radialista de Sumé com sua mensagem axiomática, traz a síntese do contraponto à cultura do ódio, infelizmente tão disseminado nos tempos de hoje em nossa sociedade consumista e individualista.
Também pudera, num país em que as mortes por covid ultrapassaram 300 mil, com um presidente que não se dignou até hoje a apresentar as condolências às famílias enlutadas, que debocha do povo quando perguntado sobre a tragédia: “ e dai”?, “eu não sou coveiro”, “isso é uma gripezinha”. São tantas as bobagens e desumanidades vindas deste energúmeno, que parte da população acaba por naturalizar as mortes.
Que o axioma dito por Jaqueline de Sumé toque fundo em cada um de nós. É o amor, a solidariedade, valorização da vida humana que vão construir a ponte pra uma nova sociedade que valorize mais o Ser do que o Ter.
Josias Gomes – Deputado Federal do PT/Bahia licenciado e atualmente titular da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR).
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