Memórias de Pernambuco que marcaram a minha vida pessoal e política
Hoje, neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a data não poderia ser mais simbólica. Revelo aos companheiros e companheiras uma prosa memorial que tive com o meu amigo e colega de infância e juventude, Ivan Câmara.
Ivan traz à tona uma história dos trabalhadores rurais que se passa em nossa região na Zona da Mata de Pernambuco fundamentando-se no link https://memoriasdaditadura.org.br/memorial/jose-inocencio-pereira/ e em cima de tais memórias fez um contexto em que relaciona diretamente nossas vidas de meninos nascidos naquela época de grande agitação política e social dos engenhos das décadas de 50/60. Os fatos formam um painel da luta histórica dos camponeses e a forte repressão em que sofreram por parte das elites e do Estado desde sempre.
Ivan Câmara: “no internato agrícola de Escada, tínhamos um colega de turma de nome Jose Metódio Sobrinho e o tio deste nosso colega, de mesmo nome, claro, foi Senhor de Engenho em Barreiros e desde aqueles tempos tinha ele a fama de bravo com os trabalhadores rurais. Era ligado aos usineiros e segundo diziam na época, perseguia “comunistas”. Era um senhor negro, bem calvo, de bigode branco ao estilo do Barão do Rio Branco. Costumava trajar paletó de linho e chapéu tipo Panamá. Disse-me Ivan. E continuou: “Lembro-me desses detalhes porque a casa em que morávamos ficava em frente ao escritório da Usina e eu via sempre do terraço desta casa os senhores de engenho chegando ao escritório Central da Usina de Açúcar. Seu Zé Metódio (o velho) saiu de Barreiros e foi ser Senhor de engenho em Escada, adquirindo o engenho Matapiruna. Lembro-me do nome desse engenho, pois o nosso colega de turma, o José Metódio Sobrinho, nos falava sempre e eu sabia que um dia iria encontrar algo relacionado à participação do tio dele com as perseguições políticas de trabalhadores rurais, conforme o link abaixo que encontrei referente às Memórias da Ditadura: https://memoriasdaditadura.org.br/memorial/jose-inocencio-pereira/.
Continuou Ivan: “Em 1972, como sabe o nobre amigo Deputado, estudávamos no Ginásio Agrícola de Escada, que funcionava em regime de internato e ficava ali no município de mesmo nome (Escada/PE), mal sabíamos ou se quer imaginávamos que ali, bem perto de nós, havia ocorrido esse crime absurdos da ditadura praticados por agentes do Estado, conforme o link acima citado”. Concluiu o amigo Ivan.
Ao que respondi: eu estive nesse engenho algumas vezes, como você deve bem lembrar e fui à convite do nosso amigo e colega de turma o José Metódio Sobrinho. Ainda guardo na memória lembranças do Engenho Matapiruna; a Casa Grande tinha um quê de sinistra, os moradores não tinham uma vida normal, dentro das circunstâncias do que venha a ser normalidade, agora vejo o porquê. A forte censura e repressão da época nos ocultavam este tipo de barbaridade, ao ponto de não dimensionarmos os crimes cometidos pelos Senhores e Estado brasileiro nesta época.
Diferentemente de você, caro amigo Ivan, eu nasci e passei a minha infância em dois engenhos, Estivas onde nasci e o Engenho Garra, ambos da Usina União e Indústria no município de Amaraji, portanto conheço bem os engenhos e, de fato, Matapiruna não me deixou uma boa impressão. Por outro lado, conforme você relatou, a sua família morava em frente ao escritório da Usina, e o seu pai, Sr. Ivon Andrade trabalhava como funcionário administrativo neste escritório. Existiam os trabalhadores rurais, na lida do campo, e os que tratavam na rotina administrativa, iguais ao seu pai. Por isto esses fatos marcaram tanto as nossas vidas.
Uma coisa é certa: quando estive por lá, no Engenho Matapiruna, ou já havia acontecido a morte do trabalhador rural (José Inocêncio Barreto), ou a repressão do senhor de engenho corria solta. Vai saber por que eu tive essa sensação. A luz dos fatos e ao revisitar a história, compreendemos com amplitude o que nossos olhos e compreensão juvenil não eram capazes de entender naquela época. Mas ali, onde crescemos e vivemos parte de nossas vidas (município de Escada/PE) conta-nos um capítulo decisivo das lutas dos trabalhadores rurais que se perpetuam até os dias atuais.
A luta pela terra no Brasil e a organização da classe trabalhadora rural têm como pano de fundo exatamente a Casa Grande/Senzala que vem desde o período colonial, desemboca nas revoltas dos escravizados, a formação dos primeiros Quilombos, as lutas independentistas. O Estado brasileiro historicamente negou o direito sagrado à Reforma Agrária, muito pelo contrário, estruturou o modelo escravista de exploração de corpos e acúmulo dos latifúndios. Os mandatários e as elites, quando ensaiaram a “reforma agrária” no país, o fizeram no sentido do embranquecimento do povo brasileiro, através das colônias europeias principalmente no Sul do país. Os explorados, descendentes de escravizados, continuaram vítimas do modo de produção escravista e sem direito a nenhuma reparação histórica.
Toda esta luta campesina pela democratização da terra que se arrasta por séculos ganhou corpo com a formação das Ligas Camponesas. No início da década de 1940, sob a ditadura de Getúlio Vargas, o Partido Comunista (PCB) contribuía na organização política dos trabalhadores rurais. O militante Gregório Bezerra, recém-liberto, chegou a contribuir na tarefa. Mas a criminalização do comunismo, em 1947, que cassaria o mandato de deputado federal do pernambucano, também desestruturou a atuação das Ligas.
Já nos anos 50, na cidade de Vitória de Santo Antão, região da zona da mata, sul de Pernambuco, portanto, uma região canavieira, precisamente no Engenho Galileia, iniciou-se aquelas que seriam precursoras das lutas pela reforma agrária do Brasil. Ali, um grupo de agricultores fundou a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP) e se declararam continuadores dos trabalhos das Ligas, eles exigiam reforma agrária. Já os trabalhadores das usinas, reivindicavam direitos trabalhistas, devido à precarização total sofridas por estes companheiros. Desde então, iniciamos às grandes conquistas para a classe trabalhadora rural. Inclusive, este período é tão icônico que o filme “Cabra Marcado Para Morrer” do cineasta Eduardo Coutinho quando foi retomado as suas gravações se deram lá, exatamente no Engenho Galileia.
O primeiro presidente que ousou fazer as “Reformas de Base”, dentre elas a Reforma Agrária, foi João Goulart, o ex-presidente foi duramente reprimido pelas elites e Forças Armadas dando início ao Golpe de 1964 e a perversa Ditadura Militar, período em que nós (eu e Ivan) vivenciamos na juventude. Percebam que os detentores do poder nunca titubeiam em utilizar todo aparato do poder estatal para não abrir mão dos seus privilégios hereditários. A brutal violência e repressão dos -Senhores/Coronéis/Usineiro/Oligárquicos- é o que assenta a base de um dos países com as maiores concentração de latifúndios do mundo.
Todo este contexto histórico, aprofundados por minhas vivencias de menino dos Engenhos, o meu batismo de fogo na luta contra a Ditadura, o meu vinculo orgânico com a luta pela reforma agrária e os trabalhadores rurais; bem como a fundação do PT, direção do partido, os mandatos parlamentares, o apoio aos governos petistas no Brasil e na Bahia forjaram o meu caráter político. Tenho a plena convicção de que a nossa luta política e social é a mesma dos explorados ao longo dos séculos.
Sei que se hoje, me tornei deputado Federal, temos um presidente retirante do agreste pernambucano e um governador baiano afro-indígena, devemos muito a luta dos nossos povos por justiça social. É nossa missão continuar no caminho da verdadeira abolição dos trabalhadores brasileiros, seja do campo ou da cidade. Somente um Brasil mais justo fará justiça histórica ao povo brasileiro, enfim, encontraremos a redenção.
Josias Gomes – Deputado Federal do PT/Bahia
Vice-líder do PT na Câmara
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