
A crise da democracia americana e a ameaça global da extrema direita
Vivemos tempos sombrios, em que os pilares das democracias estão sob ataque — inclusive no coração do Ocidente. A situação nos Estados Unidos, após o retorno de Donald Trump à presidência, revela uma derrocada institucional preocupante, com impactos que ultrapassam suas fronteiras. O silêncio do mundo diante disso é ensurdecedor.
Trump, que se consolidou como o principal líder da extrema direita mundial, está utilizando o poder do Estado para centralizar autoridade, enfraquecer adversários e remodelar o pacto democrático americano. Suas ações, embora revestidas de legalidade formal, desfiguram a essência do Estado de Direito. Trata-se do que os cientistas políticos chamam de “autoritarismo competitivo”: há eleições, sim, mas o jogo democrático é manipulado, as condições de disputa são desiguais e as instituições, dia após dia, se rendem.
A Suprema Corte, agora com maioria conservadora, legitima medidas autoritárias com decisões provisórias e sem transparência. O Congresso abdicou de seu papel de freio ao Executivo. Universidades são pressionadas, grandes empresas de mídia cedem a ameaças regulatórias e até escritórios de advocacia são cooptados para servir aos interesses do governo. A sociedade civil americana está sendo desarmada diante da força de um projeto autoritário.
Esse processo atinge até outros países. Um exemplo grave foi a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro brasileiro Alexandre de Moraes. Criada para punir violações de direitos humanos, a lei foi distorcida por Trump como instrumento de perseguição política internacional. O próprio idealizador da legislação, William Browder, denunciou o caso como um “uso indevido” e “vergonhoso”, um ataque que nada tem a ver com justiça e tudo a ver com os interesses políticos do ex-presidente americano.
Esse desmonte institucional, no entanto, não vem de um dia para o outro. É progressivo, contínuo, silencioso. E, o mais alarmante: se passa sem reação firme da comunidade internacional. Chefes de Estado, organismos multilaterais e defensores históricos da democracia assistem calados ao avanço de um regime autoritário disfarçado de democracia.
Enquanto isso, Trump continua promovendo políticas desastrosas no campo econômico. Sua guerra comercial atinge 92 países, com tarifas que chegam a 41%. Brasil, Síria, Laos e Mianmar estão entre os mais afetados. Estimativas da Bloomberg apontam que o impacto dessa política poderá alcançar US$ 2 trilhões até 2027. Trata-se de uma ameaça real à economia global e ao próprio conceito de livre-comércio. A instrumentalização da economia, como a instrumentalização da lei, faz parte da mesma estratégia de imposição pela força.
Frente a essa realidade, torna-se urgente derrotar a extrema-direita nas urnas. Em novembro de 2026, os EUA terão eleições legislativas. Estarão em disputa os 435 assentos da Câmara dos Representantes, um terço do Senado e quase 40 governos estaduais. É uma oportunidade decisiva para barrar o projeto autoritário de Trump.
O campo progressista americano e os povos do mundo devem compreender que o que está em jogo não é apenas o destino dos EUA, mas o futuro da democracia global. A permanência de Trump e de seus aliados no poder representará o aprofundamento da antipolítica, do caos permanente e da lógica de “governar contra”. Seu estilo se replica em figuras como Bolsonaro, Milei, Orbán, Netanyahu e Erdoğan. A fórmula é conhecida: atacar a imprensa, enfraquecer instituições, criminalizar o contraditório e explorar o medo como ferramenta de mobilização.
Derrotar a extrema-direita não é mais apenas uma tarefa das esquerdas ou dos democratas americanos. É um dever civilizatório. Sem isso, fracassaremos na luta contra a crise climática, na defesa dos direitos humanos, na valorização do trabalho e na erradicação da fome. A batalha entre democracia e autocracia, entre civilização e barbárie, volta a ser o grande divisor de águas do nosso tempo.
A resistência, como sempre, pode vir da sociedade civil. Mas ela exige coragem, clareza política e solidariedade internacional. A democracia americana está em risco — e a democracia no mundo precisa ser defendida com firmeza, vigilância e voz ativa. E essa defesa deve começar agora — antes que seja tarde demais.
Josias Gomes Deputado Federal do PT/Bahia
Vice-líder do PT na Câmara
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