
A defesa dos 12: a PEC, a correlação de forças e a fragilidade do Congresso
O episódio recente da votação da chamada PEC das Prerrogativas — apelidada pela mídia de PEC da Impunidade — gerou forte indignação popular, inclusive entre setores progressistas. Doze deputados do PT votaram favoravelmente, em aparente contradição com a linha majoritária do partido e com a orientação clara da esquerda, liderada por Lula.
Mas para compreender esse gesto, é preciso olhar para além da superfície. O voto não foi motivado por conveniência pessoal ou por adesão às teses conservadoras. Ele nasceu de um ambiente de negociações tensas, em um cenário político no qual a correlação de forças no Congresso é profundamente desfavorável ao campo popular.
O peso da correlação de forças
O Congresso atual é controlado por uma maioria sólida formada por PL, PP, União Brasil e Republicanos, partidos da extrema direita e da direita fisiológica. Essa maioria tem imposto sua pauta e, sobretudo, bloqueado avanços sociais. Projetos fundamentais como a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, a redução na conta de luz, a taxação das apostas e dos super-ricos e o novo Plano Nacional de Educação estão sendo sistematicamente travados.
Nesse tabuleiro, cada votação envolve táticas de sobrevivência. A aprovação da PEC das Prerrogativas foi apresentada como um mal menor diante da possibilidade ainda mais grave da tramitação da PEC da Anistia, que significaria blindar golpistas e legalizar retrocessos democráticos profundos.
A fragilidade da presidência da Câmara
O problema se agrava pela fragilidade da presidência da Câmara. Hoje, a cadeira é ocupada por Hugo Motta, um deputado sem densidade política, fraco como suco de raspa de gelo, tutelado pelos interesses mais atrasados do Parlamento. Falta “adulto na sala”. Falta liderança capaz de arbitrar, construir consensos e dar equilíbrio institucional.
Essa fraqueza permite que a agenda seja sequestrada pela extrema-direita, que pauta o que deseja e sufoca os projetos de interesse do povo. Nesse vazio de comando, cada voto se transforma em um dilema: ou ceder parcialmente para impedir retrocessos ainda piores, ou assumir o risco de ser atropelado por uma maioria hostil.
O gesto amargo dos 12
Foi nesse contexto que se deu o voto dos 12 deputados do PT. Um gesto amargo, como definiu Gleide Andrade, tesoureira nacional do partido. Deputados como Odair Cunha e Jilmar Tatto reconheceram que a escolha foi dolorosa, mas orientada pela tentativa de salvar pautas sociais prioritárias. Merlong Solano, do Piauí, foi além: pediu desculpas públicas e admitiu o erro, mas explicou que sua intenção era manter canais de negociação abertos — ainda que em terreno minado pela extrema-direita.
Não se trata de romper com os princípios históricos do PT, mas de enfrentar o dilema entre dois retrocessos possíveis. Foi uma tática que não deu certo, mas que deve ser analisada dentro do quadro de forças desproporcional que caracteriza o Congresso de hoje.
Quem é o verdadeiro inimigo?
A indignação da militância é legítima e necessária. Mas é preciso cuidado: transformar essa indignação em ataques internos apenas fragiliza o campo progressista. A direita e a extrema-direita já se aproveitam desse episódio para posar de guardiãs da moralidade — justo elas, com históricos marcados por corrupção, conluio com o crime organizado e vínculos escusos com a Faria Lima e esquemas criminosos.
Os verdadeiros inimigos não são os 12 deputados do PT. São os que querem anistiar golpistas, blindar corruptos e desmontar a democracia brasileira.
Conclusão: unidade e maturidade política
O episódio mostra o tamanho do desafio: governar com uma maioria hostil, uma presidência da Câmara frágil e uma oposição radicalizada. Isso exige maturidade política e clareza estratégica.
A esquerda deve continuar firme na luta contra a PEC da Anistia, contra a PEC da Blindagem e contra todas as iniciativas que representam retrocessos democráticos. Mas não pode desperdiçar energia em autofagia. O alvo precisa ser a extrema-direita — e não os próprios companheiros de luta.
O gesto dos 12 deve ser visto pelo que foi: uma tática, amarga e frustrada, mas que nasceu do esforço de evitar um mal maior. O momento exige unidade, porque a disputa real não é entre nós. É contra uma direita que quer transformar o Congresso em bunker de impunidade e bloquear qualquer avanço popular.
Josias Gomes, militante do PT e Deputado Federal (PT-BA).
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