Depois das explicações confusas que deu à Record e RedeTV, Flávio Bolsonaro se afundou um pouco mais na lama
Por Joaquim de Carvalho
Só pessoas com déficit de inteligência podem acreditar na história que ele contou para justificar depósitos fracionados que totalizaram R$ 96 mil reais em sua conta, no período de um mês, entre junho e julho de 1997.
Certos momentos da entrevista foram incompreensíveis, e o repórter, Lúcio Sturm, visivelmente não tinha autonomia para fazer os questionamentos pertinentes.
Carlos Bolsonaro, ao que parece, usou a entrevista como uma tentativa de conter o escândalo. E se o propósito era falar sem ser contestado, estava no lugar certo.
A Record é uma empresa amiga de Jair Bolsonaro, como tem demonstrado desde a campanha eleitoral.
Mais tarde, o senador eleito apareceu na Rede TV, para uma entrevista ao jornalista Boris Casoy, em que também não esclareceu nada.
Mas aí o tom foi outro, provocado pelo entrevistador. Flávio Bolsonaro tentou ir para o ataque, uma tática comum de Jair Bolsonaro. Emparedado, ele ataca, para não ter de dar explicação.
Logo na primeira pergunta, Boris quis saber: “Nesta história toda que está nas primeiras páginas dos jornais e nos noticiários de TV e rádio, o senhor se sente perseguido? O que move as pessoas que estão vazando ou estão levando este noticiário a público?”.
Bola levantada, Carlos Bolsonaro cortou:
“Eu não tenho mais dúvida de que é um grande processo de ataques a mim, de perseguição a mim, e o alvo não sou apenas eu. Também é o presidente da república”, respondeu.
Tanto em uma entrevista quanto em outra, Flávio Bolsonaro exibia um papel que dizia ser o contrato de compra ou de venda de um apartamento.
Ele mostrava, mas não permitia que os jornalistas lessem. “Vou apresentar no foro adequado, para as autoridades competentes, com todo o respeito pela imprensa”, disse.
Flávio teve a oportunidade de fazer isso no dia 10 de janeiro, quando foi convidado para prestar esclarecimentos na investigação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro que tem como alvo o ex-assessor dele, Fabrício Queiroz.
Não foi.
Nas duas entrevistas de Flávio, não houve nada de substancial, detalhado, consistente, embora ele dissesse que estava ali para resgatar a verdade.
Mas qual é a verdade?
Segundo ele, tempos atrás comprou um apartamento e depois fez um financiamento de R$ 1 milhão junto à Caixa Econômica Federal para pagar o restante do imóvel.
Ele disse que isso explica o pagamento do título sem beneficiário identificado pelo Coaf no valor de R$ 1 milhão.
Mais tarde, esse apartamento teria sido vendido por R$ 2,4 milhões. E parte desse pagamento foi feito em dinheiro, o que justificaria o depósito de R$ 96 mil em sua conta.
Mas por que o dinheiro era depositado de forma fracionada, em valores de R$ 2 mil? “É porque o limite para você fazer depósito no caixa eletrônico, aquele papelzinho, são R$ 2 mil reais”, disse.
“Não tem mistério nenhum”, acrescentou.
Como não tem?
Numa época em que transferências podem ser feitas pelo celular, não é comum depósitos em dinheiro no banco, a não ser que ele fosse dono de empresa de ônibus ou tivesse praça de pedágio.
“Eu sou empresário”, disse, sem citar que tem uma representação de uma empresa de chocolate num shopping da Barra da Tijuca, onde também não há tanta transação em dinheiro vivo.
“O que eu ganho na minha empresa é muito mais do que eu ganho como deputado. Eu não vivo só do salário de deputado e, além disso, está aqui a origem: alguma coisa que eu vou mostrar, mas eu peço reserva, porque vou apresentar, no momento oportuno, para as autoridades, que é a escritura do apartamento que eu vendi. Sabe qual foi o valor do apartamento que eu vendi? Dois milhões e quatrocentos mil reais. Esse apartamento foi comprado, pago direitinho”, respondeu.
Este seria o álibi para justificar essa forma atípica, peculiar, de lidar com o dinheiro. Ele teria recebido parte do pagamento pela venda do apartamento em dinheiro vivo.
O caixa eletrônico onde foram feitos os depósitos fracionados fica na agência do Banco Itaú, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, centro da cidade, uns 15 quilômetros de distância da Barra.
Ainda que ele optasse por fazer o depósito numa agência distante de seu negócio e em sua conta de pessoa física, não precisava usar o caixa eletrônico.
Bastaria a ele ou a quem fez o depósito caminhar alguns passos mais e ir até o caixa físico, e fazer o depósito no valor total, sem precisar preencher uma série de envelopes.
O problema, porém, é que depósitos vultosos em dinheiro devem ser acompanhados do preenchimento de um formulário para explicar a origem dos recursos.
É uma norma do Banco Central. Já em relação a depósitos fracionados no caixa eletrônico, não há necessidade de preencher formulário algum.
Sergio Moro, quando era juiz, escreveu um livro — Crime de Lavagem de Dinheiro — em que explica que fracionar depósitos ou saques é indício de prática de crime financeiro, já que quem faz isso está tentando se eximir da exigência de comunicação ao Coaf.
No caso concreto de Flávio Bolsonaro, filho do presidente a que Moro serve como ministro da Justiça, houve dias em que foram feitos vários depósitos no caixa eletrônico, alguns com diferença de minutos entre um e outro.
Quando o repórter perguntou, com muito tato, se aquele dinheiro era fruto da chamada rachadinha, ou seja, a devolução de parte do salário dos servidores nomeados por ele no gabinete — mas pagos com dinheiro público —, Flávio demonstrou indignação.
“No meu gabinete, não. E se eu soubesse que tinha alguém cometendo isso, era o primeiro a denunciar e mandar prender, porque todo mundo sabe, quem me conhece, quem me acompanha, que não tem sacanagem comigo”, respondeu.
Sobre o pedido de suspensão da investigação pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a anulação de provas, Flávio Bolsonaro também deu uma explicação confusa.
Ele disse que não quer foro privilegiado, mas quer saber a que órgão deve prestar esclarecimentos.
Se ele nada deve, como diz, por que escolher o lugar que irá investigá-lo?
“É que estão fazendo sacanagem comigo”, afirmou.
Flávio insinuou que os membros do Ministério Público que o investigam são simpatizantes do PT e citou como indícios de prova fotografias que circulam pela internet, que mostrariam os responsáveis pela investigação com camiseta “Sou contra o golpe”.
O senador eleito se mantém, com essa tática, dentro do universo em que se elegeu: não importam os fatos, mas a versão.
Ele tenta desqualificar quem o investiga para escapar da investigação. E por que anular as provas, como pediu ao STF?
Segundo ele, é porque divulgaram sigilo bancário dele sem ordem judicial. Uma correção: relatório do Coaf não representa quebra de sigilo.
Ainda assim, se Flávio está convicto de que é tudo armação, deveria ser o primeiro a desejar prestar esclarecimentos detalhados.
Não fez isso ao Ministério Público, nem nas entrevistas, e parece apostar suas fichas numa solução política para a encrenca em que está metido.
Para isso, precisava dizer alguma coisa em público — daí as entrevistas —, ainda que suas palavras careçam de verossimilhança.
Para quem quer acreditar, qualquer palavra serve.
Quando se fala em quantias expressivas, sempre é bom lembrar que, trinta anos atrás, quando seu pai era capitão do Exército e se elegeu pela primeira vez e assumiu uma cadeira na Câmara Municipal do Rio, Jair Bolsonaro tinha poucos bens declarados, um Fiat Panorama e uma moto, patrimônio que valia cerca de 10 mil reais.
Hoje, o patrimônio declarado dele e dos filhos políticos está em torno de R$ 15 milhões. Patrimônio declarado, frise-se.
E Flávio diz que sua principal fonte de renda nem é o salário de deputado.
Ao encerrar a entrevista, Boris Casoy apertou a mão de Flávio e desejou a ele boa sorte.
Ele vai precisar.
Está na cara que o MP do Rio só mostrou a ponta do iceberg.
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