
José Joaquim Seabra: entre o estadista e a controvérsia
Infância e formação
José Joaquim Seabra nasceu em Salvador, em 21 de agosto de 1855, filho de uma família modesta, mas que valorizava a educação como caminho de ascensão social. Desde cedo destacou-se nos estudos, e a vocação para as letras e o direito o levou ao prestigiado curso da Faculdade de Direito do Recife, então um dos principais centros de pensamento liberal e republicano do Brasil. Ali, em 1877, formou-se bacharel em Direito.
Sua trajetória acadêmica foi brilhante. Em concurso, tornou-se professor catedrático da Faculdade de Direito do Recife e, anos mais tarde, chegou ao posto de diretor da instituição (1891). A vida intelectual, no entanto, não o afastou da política. Ao contrário: a oratória, a formação jurídica e o contato com os grandes debates nacionais alimentaram em Seabra a ambição de atuar nos rumos do país.
Início da vida política: República e exílios
Em 1889, já no ocaso do Império, tentou eleger-se deputado geral, mas sem sucesso. Com a Proclamação da República, foi eleito para a Constituinte de 1890, que redigiu a primeira Constituição republicana. Naquele ambiente, firmou-se como voz influente, alinhado inicialmente às ideias modernizantes de Rui Barbosa.
No governo de Floriano Peixoto, tornou-se um dos principais opositores, denunciando os abusos de poder e defendendo as liberdades constitucionais. A consequência foi dura: sofreu exílio forçado, primeiro em Cucuí, no Amazonas, uma região inóspita de fronteira, e depois no Uruguai, em Montevidéu. Só retornaria com a anistia de 1895. Nesse episódio, contou com a defesa de Rui Barbosa, que atuou como seu advogado — ironicamente, aquele que mais tarde se tornaria seu maior adversário na Bahia.
Projeção nacional
De volta à política, foi eleito várias vezes deputado federal, chegando à liderança do governo durante a presidência de Campos Sales. Ganhou prestígio como orador de gestos largos e estilo combativo, o que o projetou para além das fronteiras da Bahia.
No governo Rodrigues Alves (1902-1906), foi nomeado Ministro da Justiça e Negócios Interiores, acumulando interinamente a pasta das Relações Exteriores entre novembro e dezembro de 1902. Mais tarde, no governo Hermes da Fonseca (1910-1914), comandou o Ministério da Viação e Obras Públicas, de onde fortaleceu seu prestígio político e construiu alianças que o credenciariam a disputar o governo da Bahia.
Governador da Bahia e o “seabrismo”
A eleição de Seabra para governador em 1912 marcou o início de uma nova era na política baiana. Ele enfrentou as velhas oligarquias ligadas a Severino Vieira, impondo um poder centralizado que recebeu o nome de “seabrismo”.
Mas o triunfo veio acompanhado de um dos episódios mais dramáticos da história da Bahia: o bombardeio de Salvador, em 1912. Para sufocar os opositores, tropas leais a Seabra dispararam contra a capital, destruindo o Palácio do Governo — com mais de 300 anos de história — e reduzindo a cinzas a Biblioteca Pública da Bahia, uma das mais antigas do Brasil. O episódio ainda danificou o Teatro São João e sobrados da Rua Chile. A cena marcou a memória da cidade e manchou para sempre a biografia do governante.
Apesar disso, sua gestão também foi marcada por grandes obras urbanísticas: a abertura da Avenida Sete de Setembro, remodelações na cidade e intervenções que buscavam modernizar Salvador. A face modernizadora convivia, portanto, com a imagem autoritária.
Seabra voltaria ao governo em 1920, para um segundo mandato, igualmente marcado pelo embate com adversários políticos e pelo esforço de consolidar sua corrente.
Política nacional e derrotas
Em 1922, candidatou-se a vice-presidente da República na chapa da Reação Republicana, encabeçada por Nilo Peçanha, movimento que reunia forças dissidentes contra a candidatura oficial de Artur Bernardes. A derrota foi um duro golpe: Seabra caiu em ostracismo político e, perseguido, voltou ao exílio, desta vez na Europa. Retornaria apenas em 1926, com a eleição de Washington Luís.
Revolução de 1930 e o Autonomismo
Com a Revolução de 1930, Seabra chegou a apoiar inicialmente Getúlio Vargas, na esperança de recuperar espaço político. Porém, logo se afastou, ao perceber que não teria prestígio no novo arranjo. Rearticulou-se com velhos adversários — como os irmãos Mangabeira, Simões Filho e Miguel Calmon — e passou a liderar o movimento Autonomista, que defendia a autonomia da Bahia contra o intervencionismo do governo Vargas, representado pelo jovem interventor Juracy Magalhães.
Mesmo já idoso, manteve sua presença ativa nos debates, demonstrando vigor e convicção até os últimos anos.
Últimos anos e morte
José Joaquim Seabra faleceu em 5 de dezembro de 1942, no Rio de Janeiro, aos 87 anos. Morreu com o peso de ter sido um dos poucos políticos a assentar-se nas duas primeiras Constituintes da República (1891 e 1934), privilégio raro e prova de sua longevidade política.
Legado
O legado de J. J. Seabra é ambivalente. De um lado, é lembrado como estadista, modernizador, homem culto e orador brilhante. De outro, como autoritarista, cuja imagem ficou marcada pela violência do bombardeio de Salvador.
Seu nome, contudo, foi imortalizado: em 1915, o antigo povoado de Campestre, na Chapada Diamantina, ao ser elevado a município, recebeu o nome de Doutor Seabra, simplificado em 1931 para Seabra, como permanece até hoje.
Assim, o homem e a cidade se entrelaçam. Seabra, o político, moldou uma época de transição, entre a força das oligarquias e o impulso modernizador da República Velha. A cidade de Seabra é hoje polo regional, centro de serviços e educação na Chapada Diamantina. Juntos, são o retrato de uma Bahia que buscava se modernizar em meio a contradições profundas.
Josias Gomes Deputado Federal do PT/Bahia
Vice-líder do PT na Câmara
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