
Castro Alves, o Poeta dos Escravizados
No Recôncavo baiano, em Muritiba, nasceu em 14 de março de 1847 Antônio Frederico de Castro Alves, filho de um médico e neto de herói da Independência da Bahia. Desde cedo, parecia ter o sangue da luta correndo nas veias. Órfão de mãe aos 12 anos, foi no Colégio do Barão de Macaúbas, ao lado de Ruy Barbosa, que descobriu sua vocação precoce para a poesia.
Em 1864 ingressou na Faculdade de Direito do Recife, mas foi a literatura que arrebatou sua alma. Na capital pernambucana, seria testemunha de um episódio que marcaria sua trajetória e a história do país.
A praça é do povo: o comício de 30 de setembro de 1866, no Recife
No dia 30 de setembro de 1866, o Recife foi palco de um episódio marcante da vida política e literária brasileira. Na escadaria da Matriz de São José, realizava-se um comício republicano organizado por jovens ligados ao jornal O Tribuno, entre eles Antônio Borges da Fonseca e Afonso de Albuquerque Mello. O ato defendia ideias contrárias à monarquia e pregava maior participação popular na vida política.
A reação do governo provincial foi imediata. O chefe de polícia Eduardo Pindahyba de Mattos, sob ordens do vice-presidente da província, Manoel Clementino Carneiro da Cunha, mandou a tropa dispersar a multidão. A violência da repressão, com prisões e agressões físicas aos oradores, causou grande comoção entre os presentes.
Foi nesse cenário que o jovem estudante de Direito Antônio de Castro Alves, então com 19 anos, ergueu a voz em improviso poético que atravessou o tempo:
“A praça! A praça é do povo,
Como o céu é do condor!”
O impacto do verso ecoou como denúncia contra a arbitrariedade policial e como afirmação simbólica do direito à liberdade e à reunião popular. Pouco depois, o improviso foi incorporado ao poema O povo ao poder, publicado nas páginas de O Tribuno em dezembro daquele mesmo ano, consolidando-se como uma das mais fortes expressões do ideário republicano no Brasil.
Assim, o episódio do Recife não foi apenas um ato de repressão política, mas também o momento em que nasceu um dos versos mais emblemáticos da poesia social brasileira — transformando a voz de Castro Alves em bandeira de resistência e esperança para gerações futuras.
Era o surgimento da voz condoreira que faria de Castro Alves o mais vigoroso poeta da liberdade em língua portuguesa.
O poeta condoreiro e sua geração
Castro Alves pertence à terceira geração romântica brasileira, conhecida como condoreira, inspirada em Victor Hugo. Nela, o condor, ave altaneira dos Andes, simbolizava o poeta capaz de enxergar de cima as mazelas da sociedade. Sua poesia tinha cunho social, enfrentava os problemas do país sem fuga da realidade, e era declamada em teatros e praças para atingir o maior número de pessoas. Por isso sua obra ecoou não apenas como arte, mas como bandeira.
Amor, palco e poesia abolicionista
Em 1866 apaixonou-se pela atriz portuguesa Eugênia Câmara, dez anos mais velha, que inspirou paixões, poemas e também dramas pessoais. Ao lado dela, no palco, descobriu a força de sua palavra e escreveu o drama Gonzaga, encenado com sucesso em 1868. Nesse mesmo período produziu sua obra-prima, O Navio Negreiro, que contrapõe a beleza do oceano ao horror dos porões abarrotados de homens e mulheres acorrentados. Nenhum outro poeta brasileiro denunciou a escravidão com tamanha intensidade.
Tragédia e resistência
Em 1869, um tiro acidental durante uma caçada atingiu-lhe o pé esquerdo, que precisou ser amputado. Já combalido pela tuberculose desde os 17 anos, seu corpo enfraquecia, mas o espírito permanecia em chamas. De volta à Bahia, refugiou-se em fazendas de parentes e amigos, escrevendo alguns dos versos mais belos de sua trajetória. Em novembro de 1870 publicou Espumas Flutuantes, seu único livro editado em vida, recebido com entusiasmo pelos leitores.
Mesmo diante da morte iminente, manteve a chama criadora. Apaixonou-se platonicamente pela cantora italiana Agnese Trinci e concluiu obras como A Cachoeira de Paulo Afonso, parte do inacabado Os Escravos, que se tornou símbolo de sua luta.
Um cometa no céu da poesia brasileira
Castro Alves morreu em 6 de julho de 1871, aos 24 anos. Viveu pouco, mas viveu intensamente. Sua obra uniu amor e dor, mas sobretudo fez da poesia um grito de liberdade. Chamado para sempre de Poeta dos Escravos, transformou o verso em denúncia, a praça em trincheira e a palavra em estandarte contra a escravidão — duas décadas antes da assinatura da Lei Áurea.
Nasceu no tempo do Segundo Reinado, quando a escravidão ainda sustentava o Brasil imperial. Viu surgir leis como a Eusébio de Queirós (1850), a do Ventre Livre (1871), mas não viveu para testemunhar a abolição em 1888. Ainda assim, sua poesia foi força que ajudou a pavimentar o caminho.
Castro Alves é orgulho da Bahia, do Nordeste e do Brasil. Sua vida curta foi um cometa que incendiou o céu da literatura e da liberdade. Se hoje a praça é do povo, como o céu é do condor, é porque sua voz ecoa ainda como bandeira erguida contra as injustiças.
Josias Gomes Deputado Federal do PT/Bahia
Vice-líder do PT na Câmara
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