
Eu e Everaldo: uma irmandade para toda vida
Desembarquei em Ilhéus em 1988. O mar me recebeu com seu vento forte, mas foi um homem que me estendeu a mão e abriu caminhos: Everaldo Anunciação. Desde aquele primeiro encontro, nossa relação deixou de ser apenas a de companheiros de luta. Tornou-se irmandade.
Nutrimos uma amizade fraterna que se estendeu por toda a nossa família. Minha dor é a da perda fraterna e também a de um militante que conhece o gigantismo de Everaldo para a Bahia e para o Brasil. Menestrel da luta sindical, ex-presidente do PT-BA e ex-vice-presidente do PT nacional, saiu da vida para entrar no panteão dos heróis da classe trabalhadora, a quem sempre serviu com dignidade, sabedoria e ética.
Everaldo carregava Ilhéus no coração. Seu bairro de origem, a Bela Visão, era para ele um altar cotidiano. Dali, descortinava-se todo o esplendor de São Jorge dos Ilhéus, e era como se a cidade inteira respirasse nele. Amava suas ruas, sua gente, seus recantos — e fez de Ilhéus não apenas o lugar onde nasceu, mas a razão de sua entrega política e social.
Era servidor da CEPLAC, mas muito mais do que isso: presidiu a CUT regional Cacaueira e, nesse período, liderou a primeira campanha salarial unificada dos trabalhadores rurais do cacau. Também foi ele quem ergueu, com coragem e obstinação, o Fórum Popular e Permanente contra a crise da lavoura cacaueira, quando a vassoura-de-bruxa devastava não apenas plantações, mas os sonhos de milhares de famílias.
Na caminhada, descobrimos que nossos propósitos eram os mesmos. Queríamos um mundo mais justo, uma Bahia mais solidária, um país que não virasse as costas para o povo. Minha identificação com Everaldo era tanta que, por vezes, eu me reconhecia em suas palavras. Ele sonhava com aquilo que eu também sonhava, lutava pelas causas que me moviam, acreditava nos mesmos horizontes.
Seu pai, sergipano de Nossa Senhora da Glória, foi sempre inspiração em sua vida. Daquele homem herdou a firmeza silenciosa, a dignidade e a fidelidade às origens.
Everaldo tinha uma qualidade rara: a paciência. Eu costumava dizer, em meio às nossas conversas, que se ele morresse de repente, levaria pelo menos cinco anos — de tão paciente que era em ouvir sempre, respeitando opiniões divergentes. Era raro alterar a voz. Para falar a verdade, nunca o vi alterado. Sua serenidade era uma escola de vida.
Tive o privilégio de ser mais do que amigo: sou irmão de Everaldo. Não apenas irmão de luta, mas de vida. Formávamos uma irmandade forte, enraizada no amor ao povo, na paixão pela justiça e na fé inabalável na transformação coletiva.
Hoje, ao me despedir dele, sinto que perdi um pedaço de mim. Perdi um irmão. Mas sua memória — feita de paciência, amor a Ilhéus, coragem política e respeito ao próximo — continuará me guiando. Neste momento de dor profunda, abraço minha amiga e sua companheira, Madalena, seus filhos, familiares, a legião de amigos e toda a sociedade petista. Que, diante desta perda incomparável, tenhamos a força, o amor e o companheirismo de Everaldo para enfrentarmos este momento tão difícil.
A Bahia, os trabalhadores, o PT e Ilhéus perderam um gigante. Eu perdi um irmão.
Josias Gomes
Deputado Federal (PT/BA)
#luto
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